15 de jun. de 2009
traga as pedras e sedimente-se em mim
4 de mai. de 2009
breve comentário sobre o que não se pode contar
Objetos, restaram poucos. Abandonei vários que traziam memórias indesejáveis e deixei espaços abertos, gavetas vazias. Há o que entrar, aos poucos. Aproveitei a mobilidade dos móveis e deixei as madeiras pesadas para quem tem força de carregar peso inútil. Eles já se movimentaram suficiente em minhas mudanças passadas, já trouxeram passados antigos e o que eu quero agora é um presente fresco.
Azuis são os azulejos do banheiro. O espelho grande de moldura de madeira clara sobre a pia me mostrou hoje a beleza da imagem mais cotidiana hoje em dia. Era eu e ele, abraçados, olhando para si. Se perdendo na fumaça do vapor vindo do chuveiro de água quente. Olhamo-nos a fio. Até o carinho maior desfazer a imagem.
E banhamos, e tomamos café, e o dia se passa, e a noite chega, eu dispersa nos afazeres da vida de todas eu, ele atônito com os prazos, eu que acordo sempre depois, ele que dorme sempre antes, vivemos dias cruzados em casa, além de toda saída, aquém de toda chegada.
27 de fev. de 2009
Com pequena dificuldade abri as janelas que estavam levemente emperradas pela pintura nova; abri as portas dos armários, as gavetas; testei todos os interruptores, mesmo quando não havia lâmpadas; abri todas as torneiras e o chuveiro. Deixei correr um tempo, o vento, a água, eu ali dentro.
Entrava em cada cômodo e a imaginação não precisava mais ter pressa. Agora há tempo de construir. Me gastei ali a ver o que se podia ver. As paisagens pelas janelas, alguns resquícios dentro dos armários, dois espelhos, o desenho dos tacos. Me dediquei àquela estrutura, às minúcias despercebidas na pressa do sim.
Sim, é este. Este o esqueleto que escolhemos rechear com nossas vidas, odores e ruídos. Saí de lá com uma pequena lista de coisas a comprar e consertar, sabendo que não serão os móveis e objetos a transformar aquele monte de paredes brancas em uma ruína.
A carne, nossa, suada, a exalar na história por vir neste cenário suas possíveis memórias. Espero o homem que cuida do coração de seu pai cruzar o atlântico para fazermos nossa primeira travessia. Passamos de um lado para o outro, para o lado do outro. E vamos amanhecer juntos.
3 de fev. de 2009
Deito na cama e pego o livro para ler. Ao lado ele dorme, o corpo imóvel e suado pelo calor do verão. Olho devagar para esse homem e penso nos dias por vir, construo nossa casa, nossos filhos, nossas noites e dias, nossos invernos. Cometo esse equívoco natural da imaginação – ou, me rendo a meus desejos, os mais triviais e tangíveis.
Toco sua pele branca e perco o tempo a contar suas pintinhas, a fazer redemoinhos com dedos em seu cabelos pretos e brancos, a olhar bem de perto como cada pêlo de sua barba nasce para um lado e para outro.
Levanto para buscar um copo de água gelada e atravesso a casa, olho para o lado e as duas portas fechadas me lembram delas, as meninas que não estão em casa, eu não sei onde estão agora. E faz tempo que não sei. Desde que enveredei pelo corpo dele o meu se destacou como um decalque dessa casa.
É como se eu ouvisse as coisas de longe, de muito longe. Um barulho de quintal, de música, risos, conversas, passos corridos. Vindos dos quartos, trocados pelos quartos. Deste aqui, não há o que dizer. Não posso dizer. Não sei dizer. Preciso estar inteira e completa nesta cama, deste jeito quase equivocado que sei ser.
Mas precisa ser assim, de momento. Como me disse um porteiro quando perguntei se havia apartamentos para alugar. “De momento, está tudo ocupado”. De momento, estou. Talvez me machuque esses ruídos vizinhos, parecem muito divertidos. Talvez eu as machuque com os meus, parecem muito íntimos.
Imensamente, meu corpo deseja a harmonia dos ruídos. Talvez, o silêncio.
para Maria
16 de dez. de 2008
duas cartas e o tempo
minha mais que querida,
desculpa tanto sumiço e silêncio. os dias, desde a última vez em que te vi, foram intensos, plenos, quase violentos. pois viajei, viajei, viajei. deveria ter contado a quilometragem do meu ano. tanto ir e vir, essa vida cigana, a vontade de colocar o corpo numa casa, as frustrações amorosas, e agora estou aqui, a escrever-te.
sinto saudade.
parece que quando sentimos saudades de tantas coisas, vamos aprendendo a viver mais longe de tudo.
é isso.
***
pois agora estou no rio. vim pra cá nos finais de setembro, primeiro pra ficar de hóspede por 2 meses na casa de uma amiga e entender se gosto ou não daqui. o amor acabou - o amor que fora mal vivido por um ano - e eu então estava na cidade do amor que perdi. amor pequeno este. mas era amor, e doeu. procurava também o fio da história a ser contada, o meu filme que no fundo acredito um livro - tenho encontrado lentamente quem é a mulher que anda por aquelas ruas de lisboa. não foi nada fácil encontrá-la, mas eis que hoje, no almoço com um amigo, eu entendi um pouco mais sobre ela, essa ana. então - entre ficar e voltar - fiquei. agora moro com paula e maria. você conhece a paula. tenho já almofadas coloridas e um quarto a fazer de meu. não sei o que virá pra mim desta cidade, tenho medo de que venha o insuficiente, mas agora estou cá. ao menos é uma casa, provisória que seja.
***
não sei o que vou fazer e procurar e querer desta vida. agora estou só. uma cidade nova, pessoas novas que aos poucos aparecem na paisagem daqui, uma história por terminar (mais um mês de prazo) e a vida.
***
e você, por onde anda, como anda?
sabe o que eu queria muito de você? sua tese. por acaso você a tem em pdf? preciso lê-la, sei que preciso.
dá-me afeto.
sinto imensa saudade.
um beijo desta cigana que não a esquece,
Por favor, não se perca!
Eu adoro você e, por isto, não te quero tão longe.
Sinto muitas saudades, nunca deixo que muito tempo se passe sem que um pensamento seja para você.
Mesmo que, mesmo que.
Agora a chuva chega e aqueles de longe ficam mais presentes.
Claro, te mando o pdf.
Carol querida, sinto sua falta por estas Minas, com estas missões a cumprir.
Estou feliz que você esteja aí com a Paula. Tenho seguido os passos dela.
Por aqui como sempre a solidão, o silêncio e a filha que cresce, cresce.
Se vier para o Natal liga.
Muitas saudades.
Feliz por ter notícias.
(para a giovanna, para os amigos de longe, os de perto, para os amores perdidos e os que virão. um ano irrecuperável, um tempo irrecuperável, e uma certeza qualquer. seja numa cidade, num tempo fixo, seja em pleno vôo. há de vir algo. há de vir.)
14 de dez. de 2008
construção de ruína III (encontro e reencontro)
Hoje conheci seu pai. Uma tarde agradável, a céu aberto, oscilando entre o brilho dos raios de sol e o cinza das nuvens carregadas, como de fato é a vida. Gostei de sua voz, de seus suspensórios, de suas suposições, de seus olhares e possíveis sarcasmos.
Então você gosta dele?
Amo
De verdade?
Muito
Fui ao toilet e quando voltei ouvi a palavra pleur. Falavam de nosso amigo querido, que esconde seus olhos tristes atrás de alguns sorrisos e de um par de óculos escuros. Ele não chorou a perda do pai e eu sentia, naquele momento, a falta do meu.
Você diria que ele é fofo? fofinho?
Ele é lindo
Podemos parecer diferentes mas ele é meu filho.
Era como se ele dissesse apenas “é meu”, sem nenhuma carga possessiva, apenas bastante afetiva. Bonita a forma como ele te olhava, quase lacrimejante. Houve tanto cuidado, palavras afetuosas e carinhos silenciosos. Um reencontro com odor de prazer e orgulho. Um encontro com sabor de carinho e vontade.
De repente ele olhou para a imensa paisagem de Copacabana que preenchia o horizonte e disse que já não estava mais tão bonita quanto há pouco tempo atrás.
Eu disse que era a luz, seguimos caminhando para casa, embora eu soubesse que eram as férias e sua efemeridade. Seguimos caminhando lentamente.
13 de dez. de 2008
construção de ruína II
Eu chorava. Num arranque repentino e quase inesgotável. Soluçava e não via nada.
Só queria o seu calor. Me fez chorar o seu calor. Um medo infantil de acordar e não estar mais ali.
Às vezes abro os olhos no meio da noite para te ver.
É que eu te amo tanto.
10 de dez. de 2008
Pequeno inventário do amor #04 - O lugar do outro
9 de dez. de 2008
Pequeno inventário do amor #03 - Violência
Você disse que era uma violência fazê-lo conversar – eu imersa no seu silêncio – era uma violência pedir que explicasse qualquer coisa, que explicasse que amor era este, então.
Você me mata.
8 de dez. de 2008
construção de ruína
7 de dez. de 2008
Pequeno inventário do amor #02 - São Paulo
26 de nov. de 2008
Pequeno inventário do amor #01 - A constelação das Três Marias
No braço dele havia a constelação das Três Marias, eu tocava-a com a ponta do dedo. Tento me lembrar dos detalhes perdidos. Esqueci muita coisa, jamais do nome dele, que pra sempre será pronunciado em segredo – na minha boca – o gosto do nome dele.
A orelha esquerda encostada às minhas costas.
- Teu corpo tem o som do mar.
20 de out. de 2008
Os pregos de cobre
15 de out. de 2008
Esperei poder buscar as revelações embora não esperasse uma revelação inesperada, uma não revelação. Esta que seria nossa primeira imagem tátil virou imaginação, a memória de uma imagem que não existe.
É bom ter essa fotografia em palavras, talvez eu tenha salvado uma lembrança, como aquelas da infância que não sabemos se lembramos pela memória do próprio momento ou pela salvação da imagem.
***
embora assim, seguimos construindo uma nova ruína.
um dos começos com a fotografia.
Era um álbum montado por seu pai, com folhas de papel coloridas, escritos e imagens, colocados de forma carinhosamente não linear e dizendo, apesar das cores, algumas coisas tristes, que eu ainda não sei muito o que é mas acho que vi.
Também havia felicidade. Um menino um pouco sério e um pouco alegre. Não vestia fantasia nem ficava perto de muitas crianças, parecia feliz. Um jovem de olhar um pouco tímido, um pouco malicioso, de jovem. O pai, a mãe, os amigos dos pais, os passeios.
Ver seu passado trouxe ele para muito perto de mim. Cada fotografia me dava instrumentos para senti-lo, a cada gesto mínimo eu me enveredava. As cores quase trazem cheiros.
Ele me viu pequena, vestida de mulher-maravilha, pediu a foto e eu dei. Foi boa essa fantasia de mulher-maravilha. Ele viu as fotos da minha ultima viagem de férias com meu pai e ficou triste.
Eu também fiquei um pouco triste com as fotografias. De alguma forma, o passado é sempre melancólico, mesmo que as fotografias transbordem alegria elas são mínimas sepulturas, e as mortes, mesmo que ínfimas, doem.
***
A imaginação nunca estará condenada à cristalização do tempo.
Algumas coisas merecem esse lugar.
13 de out. de 2008
22 de set. de 2008
a ruína do gato selvagem
Eu andava por alguma ruína quando ele apareceu. Me olhava. Me olhava e me seguiu. Me chamava. Me chamava até que eu me virei, o vi e o deixei. Quis que ele fosse embora e depois eu quis levá-lo para casa, para mais perto mim. Mas tive que deixá-lo ali, nas ruínas, até que ele fosse caminhando para a minha casa. Ele ainda estava imerso nas ruínas, abrigado pelo abandono de outra palavra amor que não a minha. Ele virá mais perto, quando outro abrigo para essa palavra for construído por nós.
(manoel ensaiou construir uma ruína e me ensinou o altar das palavras)
21 de set. de 2008
20 de set. de 2008
15 de set. de 2008
tempo de revelação
O casal sentado no banco do jardim.
Eu sou a mulher e essa foi nossa primeira cristalização.
Eu espero essa fotografia se revelar.
31 de ago. de 2008
quando eu era barriga, ou paisagem #03
23 de ago. de 2008
paisagem #02
21 de ago. de 2008
paisagem #01
era noite, e daqui eu não via a lua. ele ligou e contou-me dela. procurei da rua e das janelas de casa. não a via. então uma fotografia quase sem lua chegou pra mim. aquele ponto brilhante no alto, que alguns chamam lua, eu chamei de outra coisa, uma palavra silenciosa. era noite. e agora é quase fim do inverno. você fotografou a espera, ele fotografou o contorno do mundo pelo pequeno espaço de luz. olho agora pela janela de casa e ele não está por perto. é dia, não há lua nem as mãos. mas ficou uma imagem, alguns pontos brilhantes, a escuridão. amor é uma casa vazia.
20 de ago. de 2008
18 de ago. de 2008
paula
era uma vez uma mulher que adorava mudar seu nome e seu rosto. de um dia para o outro, seus maços de cigarro começaram a durar mais tempo. ela gostava dos lábios vermelhos durante a noite. de dia, cabelos puxados para trás, era uma menina. gostava de fotografar as coisas a toa, sua avó nos cantos da casa, o sofá vazio, os quadros na parede. ela sabia olhar as coisas paradas como quem visse, ali, tudo acontecer: o envelhecimento era a fotografia viva daquela menina do dia. à noite saía pelas ruas com as roupas encontradas no armário da sua avó. as rendas formavam o corpo bonito por debaixo da roupa, as meias e as pernas, os gestos longos e femininos, as palavras ditas em voz alta, saindo vermelhas da boca, e as mãos aflitas da mulher que deseja pertencer a alguma coisa. a alguém. essa mulher que deseja o amor, enquanto espera, em silêncio, a imagem por vir. ela não sabe que anda pelas ruas com a leveza das mulheres antigas, as mulheres que teciam longos tapetes à espera de alguém. ela tem um ar de como quem entende que seu corpo é um campo de guerra, um corpo vivo. suas mãos, grandes, passeiam delicadas pelos outros corpos. ainda posso vê-la chegar e ocupar todo o espaço com as palavras altas, os lábios vermelhos, posso vê-la pedir uma taça de vinho e levá-lo à boca, ali, onde as cores das paixões se misturam em meio à sua saliva quente.
carolina junqueira
17 de ago. de 2008
noite. noite.
16 de ago. de 2008
movimento dos barcos
15 de ago. de 2008
Da aparência imediata, talvez só isso possa ser visto em minha estrutura física. Mas eu entrei pela porta da minha casa não só com os cabelos maiores e mais escuros. Minha coluna anda mais ereta. Meus passos mais calmos e seguros. Meu olho pisca menos.
Esse corpo inesperadamente goza do prazer. É o tempo mais bonito que se tem e pareço primavera. Estou na temperatura mais agradável, minhas bochechas bem vermelhas e meus olhos bem brilhantes.
O dia passa escorrendo por entre a espera pela noite. Os dias passam escorrendo pela espera para o fim de semana. Surpreendo-me com o prazer distribuído em encontros, que se iniciam, acontecem e terminam e já desejo o próximo e ele vem.
A casa tem sido o lugar de passagem, onde eu entro, fico, alimento, durmo e te encontro. Nós que sempre falamos cada uma de nossas casas de cada uma de nossas cidades, agora estamos diariamente tomando chá na mesa da cozinha de uma mesma casa, de uma mesma cidade.
Penso na cidade, penso em você e penso em te mostrar prováveis conchinhas do mar: lembro do Real Gabinete Português de Leitura, da Marina, da feira portuguesa da Cadeg, da Cafeteria Colombo. Esta cidade reserva muito.
Enquanto os dias passam fluidos por entre meu tempo particular de primavera, você percorre vagarosamente a cidade, como é de você. Hoje é sexta-feira, dia branco. Vamos passear.
Todos os lugares serão lugares de passagem para nós (posso dizer nós?). Só o amor não será passagem, é o caminho que se percorre.
movimento dos barcos
13 de ago. de 2008
5 de ago. de 2008
2 de ago. de 2008
31 de jul. de 2008
28 de jul. de 2008
22 de jul. de 2008
naufrágio não frágil
Cheia de palavras vindas da TV, ha muito tempo sem descartá-las a este dissimulado papel branco, que sempre me absorve como se eu fosse uma caneta tinteiro borrando o branco limpo que ali estava. De tanto ouvir tantas palavras desconexas durante tantas noites fui perdendo minha prazerosa dislexia datilográfica.
Se não foi também por uma falta de graça que me assolou nesses últimos meses. Nada grave. Essa é a falta, nem grave nem agudo e fiquei eu nesse tom murcho de um cotidiano preenchido por palavras ouvidas de uma TV, ou de um telefone, ou de um DVD, ou de um computador, ou de qualquer outro lugar que não reverbera.
E nada fazia barulho.
E o que estava longe foi ficando invisível.
O que era ruim foi ficando insuportável.
E agora estou com uma atitude de fim na ponta dos pés já direcionados a um percurso que tem o prazer do som de pisar em folhas secas. Em algum último escrito dizia muito a palavra óbvio, e agora, nada parece mais claro e sonoro do que essas folhas secas. Eu estava cansada não era da vida óbvia, porque ela não é. Cansei da espera e da ausência. Do normal.
E nem mudar de casa havia me trazido motivações superiores. Nós sabemos, até o ditado mais popular sabe. Até o caramujo sabe. A tartaruga.
Enquanto você esteve do outro lado do azul marinho eu estive no meio dele. Enjoei em alto mar em meio a tempestade. Desse jeito literal e cinematográfico. No meio do movimento dos barcos - eu nunca tinha visto tanta coisa se movimentando junto em minha vida - houve um arranjo de cristas de ondas e que somente agora se configura em um naufrágio .
Mas eu não estou a ver navios, eles que se vão.
(eu te cuido, tu me cuidas, sempre – desde a primeira taça de vinho)
15 de jul. de 2008
uma carta
31 de mai. de 2008
...
24 de mai. de 2008
rascunho de texto encontrado ao acaso
15 de mar. de 2008
5 de mar. de 2008
19 de fev. de 2008
17 de fev. de 2008
um momento antes
acendo um cigarro antes de arrumar a última mala. as caixas estão no canto do quarto. o que fica são alguns livros, uns filmes, uma carta de amor do cozinheiro, as toalhas, o calendário deste ano, a cafeteira que ganhei de natal, o etiquetador e tantos afetos. o que levo são as roupas e este corpo que não sabe mais pra onde ir. lembro-me de repente na cozinha, enquanto lavo as louças de um almoço feito de ovo e pão - lembro-me de todos os lugares de onde algum dia parti. sempre esse mesmo sentimento de não pertencer a lugar algum quando preciso arrumar as últimas coisas. deixo aqui um amor que não aconteceu, deixo algumas amizades que não vingaram, e tantas outras cheias de carinho. volto logo para a primeira casa - talvez a segunda, mas minha mais remota memória de infância não se lembra daquele lugar anterior. é, é a primeira, onde nasceu meu irmão. só a partir do nascimento dele eu me lembro de alguma coisa. e então volto às minhas caixas e preciso de fita grande para fechá-las e preciso de um amigo para me ajudar a transportá-las e preciso me concentrar nos meus afazeres para não me perder em tantas outras coisas que não acontecem. não estou triste nem reavalio mais o porquê dessas escolhas sempre incertas. tudo bem, já que é preciso ir - já que em algum momento eu acreditei que era preciso - então eu vou. levo o livro do fernando pessoa. levo a promessa de que um texto sairá no fim. não sei se volto.
9 de fev. de 2008
she's leaving home
8 de fev. de 2008
30 de jan. de 2008
meus dedos por entre seus cabelos
Penso isso pensando em você, que de uma viagem de descanso vive em surpresa um desconforto desamparado. Das mãos quentes correndo pelo corpo elas foram parar em suaves toques de acalento. Penso em você vagando por um apartamento que não seja seu e embora até o repouso seu corpo se levante e caminhe por aí alguns passos eles não estão vagos no ar e nem serão percursos perdidos. Os cômodos foram feitos para acomodar e seus passos que eu imagino estão sim indo ao encontro. Não me agrada este tom profético, mas tenho essa sensação.
11 de jan. de 2008
Tenho vontade de bom humor e disposição. Cheguei em casa e embora houvesse uma lista de coisas a fazer não soube dar início a não ser a um cigarro após o outro.
Mas será preciso desancorar. Desatar os nós entre os dedos. Pentear os cabelos e prosseguir ao início do ano e à volta para casa. Qualquer início não mostra o fim.
Terei de adentrar mais uma vez.
9 de jan. de 2008
30 de nov. de 2007
Nao que tenha sido a primeira arapuca. Se às vezes na vida a gente deixa de ser uma pessoa muito gargalhante falante gesticulante e inverna numa atmosfera pré dilúvio, neste caso, pós dilúvio, é natural uma reserva. Aliás, o que andei pensando desde então é que qualquer, mais qualquer mesmo, atitude ou comportamento é natural. Natural até mesmo o incômodo com alguns quesitos ou pré requisitos não correspondidos que suponham de nós.
Tudo tão natural e tudo tão óbvio. Nao consigo deixar de lado essa impressão das coisas mundanas.
Volta, um minuto.
Não sei por que cargas d’agua ter ouvido opinião-como-eu-sou-e-como-eu-deveria-agir me deixou pensando que eu era daquele jeito mesmo e deveria ser de outro mesmo. Eis a armadilha da insegurança. É que quando a gente ouve frases contundentes dizendo coisas brutas, talvez a gente acredite, pela maldita força da palavra. Mas aí vem o vento, o tempo, o movimento, o pensamento e coloca as coisas em suas dimensões sem o peso da surpresa do ouvido.
Acho que foi isso que sucedeu.
Penso que devo parar de escrever porque aprendi na faculdade de merda de jornalismo que textos para internet dever ser curtos com frases curtas. Sim, este texto vai para o fundo do mar da internet, mas por acaso, só porque eu não tenho mais meu analista e resolvi que estas borrifadas no “papel” podem me ajudar….
Prosseguindo então.
Me deu cansaço, físico, bobo, nada psicológico, desses que dormir descansa. Andei hoje o dia todo, comprei 3 calças pretas, para tentar me vestir melhor e parecer mais executiva, no sentido verbal da palavra.
Uma amiga um dia fez meu mapa astral e disse que quase todos os meus pontos estão no elemento ar, de forma que por isso eu seja uma pessoa de muitas idéias muitas idéias e pouca prática. Sim, isso que não foi uma coisa que uma pessoa disse, mas uma coisa que está escrita nos astros (são maiores e bem mais antigos que as pessoas) posso concordar.
Não sei se uma porção de calças pretas podem me ajudar em alguma coisa. Até acho que não, mas vamos lá, um dia calça preta, no outro caneta dentro da bolsa…
Caneta eu já levo, então pode ser algum outro objeto simbolicamente de acuidade, seja lá…
11 de nov. de 2007
pode entrar
6 de nov. de 2007
onde quer que seja
Ridículo como o sentimento de conforto pode ser tão passageiro. Achava que estivesse deixado lá mesmo um aglomerado de sensações ruins. Mas elas vieram. Não, elas estão aqui. Pareco inventar um lugar para essas sensações, resolvo abandonar este lugar inventado e na nova construção não tarda elas aparecem, com obviedade.
Eu já aprendi que estarei comigo em qualquer lugar inventado e que é bom que eu pare de inventar lugares para abafar aquelas sensações, não tarda elas aparecem.
Fui lá e vi que elas não estão mais lá, eu vi que posso voltar muitas vezes, me sinto novamente confortável nela. Já estão aqui aquelas sensações que me fazem querer abandonar o lugar inventado. Este, agora.
Têm a história da menina que ensinava para as bonecas o que ela – a menina – sabia que deveria saber. Pois bem, eis aqui Paula-professora dizendo para Paula-boneca não mudar-se mais uma vez antes de resolver essas sensações que não tarda elas aparecem.
Sim, entendi.
Mas posso lembrar do cheiro bom que tem lá de uma tardia primavera, um vento com cheiro de dama-da-noite daquela rua, uma porção de risadas e abraços e casas confortantes mesmo que lá não haja mais quarto algum que seja meu. É, estou aqui com todos os meus pertences e esta maldita ou bendita palavrinha vêm me lembrar disso, estou aqui com todos os meus pertences e não são eles que me fazem sentir conforto, são essas sensações de não pertencer a coisa e a lugar algum que não tarda elas aparecem
3 de nov. de 2007
casa
26 de out. de 2007
de ladrões e crianças
Desejo de Pertencer
olhei ao redor e não havia ninguém, ele valia algum esforço e foi para dentro da minha bolsa. Dois rapazes que trabalham na loja perguntaram o que eu estava fazendo ali, disse que ia ao banheiro, mesmo sabendo que o banheiro não era ali, acho que ele viu, e fui ao banheiro onde ele me disse, não fiz nada dentro do banheiro que eu já havia conhecido, saí e vi um monitor passando imagens das câmeras de segurança, escondi minha aflição no meio das páginas de um livro da Lygia Clarck, vi até o fim, até me acalmar. A todo momento que eu via alguém pareciam esconder um riso, de mim. Dei uma olhadela na porta, não havia ninguém nem parecia ter alarmes. Fui saindo. E comecei a ouvir os apitos no primeiro momento que estava de costas para a loja. O desespero só me fez correr como nunca antes, subi uma rampa em espiral até sair na Av. Rio Branco, por acaso de uma sorte que quase nunca me acompanha, o sinal de pedestres estava aberto, atravessei a rua, entrei dentro de uma banca de revistas, esbaforida e com os olhos muito aflitos, eu imagino, comprei cigarros, o moço da banca me fez lembrar de levar os cigarros, saí e o ônibus 592 estava justamente no ponto. Parecia que era para dar tudo certo. Só tirei o livro da bolsa quando cheguei em casa, pertencendo um objeto que não é meu. Ele não pertencia à ninguém e agora, na cabeceira da minha cama. já lida algumas páginas não sinto culpa. Esse impulso de posse acalentou o desejo de pertencer, não o objeto, mas à alguma coisa. Não queria dizer, mas é necessário, traz sentido. “Arte Contemporânea – Uma História Concisa”, de Michael Archer. Diacho de lugar ainda incompreensível onde quero estar. Muito mais que passar batom vermelho e sombras francesas, coisa que já faço bem com um estojo paraguaio que era da minha avó.
24 de out. de 2007
alagamentos
Conversava outro dia sobre as pessoas “legais”. Essas das quais todo mundo gosta e faz todo mundo rir. Algumas disseram que queriam ser elas, adoradas. Talvez eu também quisesse. Falei de uma diva, que tinha um lugar tão solitário que ninguém atingia, ela não precisava dissimular sorrisos sinceros nem exalar simpatia aleatória. Descaradamente, falava de mim, pelo caminho de uma outra mulher.
Esse lugar inatingível. Aqui estou. Vasculhando no sótão do ser, tentando encontrar velharias que devem ser reerguidas e escolher as que devem ser estilhaçadas. Sabendo exatamente que essas peças escolhidas não terão destino fácil. Algumas sujeiras grossas difíceis de serem removidas e outras coisas complicadas de serem restauradas. A escolha do destino de cada uma e a preparação das peças para deslocamento. Talvez por estar no sótão gosto da chuva lá fora. A cidade não suporta tanta água. Eu tentando abrir novos escoamentos. Os volumes às vezes são cabem. É preciso transbordar.
21 de out. de 2007
7 de setembro de 2005
19 de out. de 2007
Estou dentro de casa e lá fora chove. O dia todo. É bom estar chovendo. Me preserva de qualquer desculpa de não sair de casa. Obrigatoriamente aqui fica acolhedor, teria que ficar. Não sei se está suficientemente acolhedor. Queria estar num lugar alto onde pudesse ver a chuva caindo na sua amplitude, mas daqui só posso sentir um fragmento que cai entre os prédios e do primeiro andar fico mais perto do asfalto molhado do que da água que cai (lembrei daquela tempestade do 7 de setembro de 2005).
Ontem saí a tarde. Fui levar o telefone para consertar e comprei um chapéu, branco, de abas longas e tecido fino. Entrei na loja e experimentei quase todas as opções, decidi virar uma pessoa de chapéu, mas hoje choveu o dia todo e não pude usar meu novo-chapéu-branco.
Voltando para casa caminhei pelas ruas confusas de Copacabana, revoltas de gente por todas as direções e debaixo do chapéu pude sentir o que sou nessa cidade. Uma observadora que sofre por saber da distância entre o olho e o olhado – embora essa distância possa ser corrompida pela correspondência. E esse novo lugar descoberto debaixo do chapéu me parece confortável, pareço escondida e pareço chamar mais atenção. É um pouco como estar em casa nos dias de chuva, um pouco mais seguro.
O chapéu tem um broche de fita preta com um brilhante (falso), como opção para ser usado à noite.
da impossibilidade do registro
e entre ferros e estacas e pedaços de casa - e enquanto ouço frank sinatra - numa nostalgia tão impalpável a mim, em um instante em que nada mais desejo além de ficar sobre este colchão, que é a única coisa que tem no meu quarto, esse colchão grande, onde esparramo todo o corpo nas noites vazias - além de ficar sobre ele e ver um filme de faroeste, conversar à distância com minha mãe ou com um amigo qualquer, contemplar sozinha um amor que não pode acontecer porque ele acabou antes de começar. encontro uma fotografia. um prédio que estava em construção em frente à janela de casa. a casa que não é mais minha. sempre, desde a infância, olhei muito aquela imagem, embora não houvesse ainda nem o prédio na frente, nem as estacas. a árvore ao fundo sempre foi a minha referência para saber se ventava ou não. as luzes de um prédio distante me localizavam o mercado do bairro. e então, dessa janela, eu vi a cidade mudar e me vi crescer entre pegar o banquinho para ver a vista e entre ver uma outra construção obstruí-la. o céu é bonito dessa janela. o meu olhar é míope, sempre precisei chegar perto demais para poder ver. talvez por isso, e pela vontade de sempre encostar a mão nas coisas, é que eu não suporte viver nada à distância. minto - suporto. aliás me reconheço nesse ato repetido de sempre querer a distância, de gostar mais de alguém desde que eu não possa tocar. encontrei a tal fotografia. quando busquei a câmera queria apenas registrar aqueles ferros que por vezes dançavam duros no ar. gosto dos desenhos de estrutura das coisas. quando fotografei o outro lado da rua, minha casa ainda era completa. tudo tem se perdido com o tempo. essa fotografia, para mim, agora é a imagem da noite. não havia perdido tanto ainda. a noite é o que me resta do que se perdeu. foi numa noite que perdi o que mais amava. e essa fotografia não é nada, senão a constatação, mais uma vez, de que tudo tem seu tempo e de que não posso registrar o amor em película alguma.
18 de out. de 2007
da alteração do espaço
às vezes não sinto saudade de nada.
16 de out. de 2007
Não sei se ficar. Tenho sido mais dificil para mim do que os lugares, mas espero ir. Deixar de existir em um lugar deixa o lugar e não a existência. Desisto de um lugar mas não des-existo. Os lugares vão ficando dificeis, eu achando que são os lugares e vários achando que sou eu, às vezes até eu, ninguém sabe. Tudo óbvio e de onde eu tiro tanta dúvida?
12 de out. de 2007
dois cafés e cigarros
vejo esse nosso movimento disperso, entre partir e ficar todos os dias, entre essa solidão maior e as pequenas tragédias cotidianas. em meio a tantos afazeres, a vontade de não parar e a de desistir. penso todos os dias em desistir. você pensa? mas daí me lembro que já desisti antes de outro lugar. e talvez a vida tenha sido e continue a ser uma sucessão de desistências que movem meu corpo para algum lugar.
8 de out. de 2007
mãos sobre mesa para começo
a princípio aleatória esta imagem para teste. é que foi tão imediata que pareceu qualquer. o que está ali a volta é a centenária cafeteria colombo. esses lugares de café e fumaças trazem tantas vontades e tantas saudades que agora já penso que escolhi essa fotografia por ser quase uma epígrafe da nossa relação. nossas palavras regadas a cafés me fazem uma falta no maior sentido da palavra falta. vontade de fazer um parêntesis no dia e correr para o conforto do olhar conhecido e dos frouxos de riso, que só é possivel no conhecimento íntimo. outro dia pensei, há quanto tempo não tenho um frouxo de riso! deve ser o mesmo tempo que não fico muito perto de quem me sabe e eu sei e eu gosto e me gosta. sinto tanta falta.