17 de fev. de 2008

um momento antes

acendo um cigarro antes de arrumar a última mala. as caixas estão no canto do quarto. o que fica são alguns livros, uns filmes, uma carta de amor do cozinheiro, as toalhas, o calendário deste ano, a cafeteira que ganhei de natal, o etiquetador e tantos afetos. o que levo são as roupas e este corpo que não sabe mais pra onde ir. lembro-me de repente na cozinha, enquanto lavo as louças de um almoço feito de ovo e pão - lembro-me de todos os lugares de onde algum dia parti. sempre esse mesmo sentimento de não pertencer a lugar algum quando preciso arrumar as últimas coisas. deixo aqui um amor que não aconteceu, deixo algumas amizades que não vingaram, e tantas outras cheias de carinho. volto logo para a primeira casa - talvez a segunda, mas minha mais remota memória de infância não se lembra daquele lugar anterior. é, é a primeira, onde nasceu meu irmão. só a partir do nascimento dele eu me lembro de alguma coisa. e então volto às minhas caixas e preciso de fita grande para fechá-las e preciso de um amigo para me ajudar a transportá-las e preciso me concentrar nos meus afazeres para não me perder em tantas outras coisas que não acontecem. não estou triste nem reavalio mais o porquê dessas escolhas sempre incertas. tudo bem, já que é preciso ir - já que em algum momento eu acreditei que era preciso - então eu vou. levo o livro do fernando pessoa. levo a promessa de que um texto sairá no fim. não sei se volto.

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