26 de out. de 2007

Desejo de Pertencer

Então hoje foi o dia de atravessar a chuva e muitas ruas alagadas. Almoçei uma comida ruim e no meio do bombom da sobremesa veio um pedacinho de plástico, não foi um bom começo de dia-na-rua mas prossegui. Fui aos lugares onde deveria ir entre entradas e saídas de alguns outros, como a livraria. Entrei em uma que parecia qualquer, mas uma sala se abria em outra e em outra e eu nunca havia visto pratelerias tão sub-classificadas assim. Passei momentos até que senti vontade de ir ao banheiro e fui, no das Damas. Parecia um banheiro domiciliar. Havia uma necessaire que não pude me conter e abri. Uma sombra com nome em francês, um batom de cor feia, uma escova de dentes da Air France e o resto não lembro. Pensei que pudesse ter gostado da sombra, mas não o suficiente para pertence-la. Lembrei da sensação de aflição e vitória nos furtos quando tive uma época cleptomaníaca. Recusei, ali. Era velho, usado, não valia qualquer esforço. Imersa nos milhares de livros e prateleiras imensas encontrei um que me apeteceu. Um que consta na bibliografia que você me sugeriu. Destaquei uma tarja grossa que parecia magnética, fui para um corredor de serviço,
olhei ao redor e não havia ninguém, ele valia algum esforço e foi para dentro da minha bolsa. Dois rapazes que trabalham na loja perguntaram o que eu estava fazendo ali, disse que ia ao banheiro, mesmo sabendo que o banheiro não era ali, acho que ele viu, e fui ao banheiro onde ele me disse, não fiz nada dentro do banheiro que eu já havia conhecido, saí e vi um monitor passando imagens das câmeras de segurança, escondi minha aflição no meio das páginas de um livro da Lygia Clarck, vi até o fim, até me acalmar. A todo momento que eu via alguém pareciam esconder um riso, de mim. Dei uma olhadela na porta, não havia ninguém nem parecia ter alarmes. Fui saindo. E comecei a ouvir os apitos no primeiro momento que estava de costas para a loja. O desespero só me fez correr como nunca antes, subi uma rampa em espiral até sair na Av. Rio Branco, por acaso de uma sorte que quase nunca me acompanha, o sinal de pedestres estava aberto, atravessei a rua, entrei dentro de uma banca de revistas, esbaforida e com os olhos muito aflitos, eu imagino, comprei cigarros, o moço da banca me fez lembrar de levar os cigarros, saí e o ônibus 592 estava justamente no ponto. Parecia que era para dar tudo certo. Só tirei o livro da bolsa quando cheguei em casa, pertencendo um objeto que não é meu. Ele não pertencia à ninguém e agora, na cabeceira da minha cama. já lida algumas páginas não sinto culpa. Esse impulso de posse acalentou o desejo de pertencer, não o objeto, mas à alguma coisa. Não queria dizer, mas é necessário, traz sentido. “Arte Contemporânea – Uma História Concisa”, de Michael Archer. Diacho de lugar ainda incompreensível onde quero estar. Muito mais que passar batom vermelho e sombras francesas, coisa que já faço bem com um estojo paraguaio que era da minha avó.

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