3 de nov. de 2007

casa

foram 23 anos morando no mesmo quarto, naquela rua calma e antes repleta de casas. agora, a cada ano, sobe um novo edifício rumo à vista das janelas. mal se pode ver o que sobrou das imagens de anos atrás. e o quarto, aquele dentro do qual eu cresci, nem dele restou muita coisa. quase todos os objetos continuam ali, os livros, em especial, que são tantos e diversos e que relutam a sair de lá. não sei se por dúvida ainda, ou se porque não poderia levar somente uma metade e deixar a outra - não sei porque ainda não fui capaz de removê-los todos daquela outra cidade. estive lá há poucos dias e trouxe tudo o que coube em duas malas: as tulipas de madeira, a estatuazinha africana e o azulejo de magritte, ambos presentes de um amor antigo, uma boneca pequena de pano me dada pelo melhor amigo, alguns livros de clarice, pessoa e llansol, um par de bonecos coreanos que meu pai trouxe de uma viagem, ímãs de geladeira para colorir a casa junto com postais de publicidade antiga francesa e cartazes de tango. aos poucos disponho os objetos velhos na casa nova e refaço o que sobrou do lugar passado. em 9 meses, que logo se completam, mudei de casa 5 vezes. em cada lugar inventei uma maneira de habitar uma casa fictícia. porque eu sempre tive a impressão de que cada uma dessas casas vivia à beira do desaparecimento. assim foi. agora vivo entre paredes novas, e organizo tudo o que trouxe para que nesta casa, somente nela, eu possa reformular uma idéia de casa que há muito não tenho. e entre mudanças e amores perdidos, entre objetos antigos trazidos apertados na mala e o livro novo à mesa, entre o pouco tempo que tenho para cuidar dos pequenos cantos e o desejo absoluto de o fazer - tento ocupar um espaço imaginário para não me perder. a cidade nunca estendeu tapetes para os meus pés e eu jamais lhe pedi isso. mas agora, com um pouco mais de mim nela através das pequenas coisas que eu trouxe apertadas na mala, sinto que um pouco mais disso tudo pertence a mim. se antigamente eu roubava pequenos objetos para pertencer a alguma coisa, agora, muitos anos depois, eu trago na mala o que me faz mais inteira nessa cidade.

Um comentário:

Anônimo disse...

fico feliz q agora tenhas um lugar para chamar de lar. queime incensos e enfeite a casa com rosas brancas (dizem que limpa o ambiente e o deixa neutro para quem chega). para quem chega. Se achegue.