19 de out. de 2007

da impossibilidade do registro



e entre ferros e estacas e pedaços de casa - e enquanto ouço frank sinatra - numa nostalgia tão impalpável a mim, em um instante em que nada mais desejo além de ficar sobre este colchão, que é a única coisa que tem no meu quarto, esse colchão grande, onde esparramo todo o corpo nas noites vazias - além de ficar sobre ele e ver um filme de faroeste, conversar à distância com minha mãe ou com um amigo qualquer, contemplar sozinha um amor que não pode acontecer porque ele acabou antes de começar. encontro uma fotografia. um prédio que estava em construção em frente à janela de casa. a casa que não é mais minha. sempre, desde a infância, olhei muito aquela imagem, embora não houvesse ainda nem o prédio na frente, nem as estacas. a árvore ao fundo sempre foi a minha referência para saber se ventava ou não. as luzes de um prédio distante me localizavam o mercado do bairro. e então, dessa janela, eu vi a cidade mudar e me vi crescer entre pegar o banquinho para ver a vista e entre ver uma outra construção obstruí-la. o céu é bonito dessa janela. o meu olhar é míope, sempre precisei chegar perto demais para poder ver. talvez por isso, e pela vontade de sempre encostar a mão nas coisas, é que eu não suporte viver nada à distância. minto - suporto. aliás me reconheço nesse ato repetido de sempre querer a distância, de gostar mais de alguém desde que eu não possa tocar. encontrei a tal fotografia. quando busquei a câmera queria apenas registrar aqueles ferros que por vezes dançavam duros no ar. gosto dos desenhos de estrutura das coisas. quando fotografei o outro lado da rua, minha casa ainda era completa. tudo tem se perdido com o tempo. essa fotografia, para mim, agora é a imagem da noite. não havia perdido tanto ainda. a noite é o que me resta do que se perdeu. foi numa noite que perdi o que mais amava. e essa fotografia não é nada, senão a constatação, mais uma vez, de que tudo tem seu tempo e de que não posso registrar o amor em película alguma.

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